domingo, 26 de julho de 2009
Não é o tempo inteiro que você ama quem você ama. Há intervalos, pausas,preguiças. Às vezes você passa um tempo sem amar quem você ama. Mas basta umperigo, uma doença, um assédio para você despertar para o seu amor, como deuma cochilada.
Nada a ver com desinteresse. Às vezes quem você ama faz alguma coisa que nãoé legal, que mexe com você, como uma palavra num tom errado, mas é coisapequena, não vale a pena cobrar. Fica aquela preguiça, corpo mole. Beija,mas não é aquele beijo.
Outras vezes você acha que o seu amor falhou com você. Ou porque se esqueceudo seu aniversário, ou porque não ligou o dia inteiro, ou porque ligou o diainteiro, ou porque passa tempo demais na internet, ou com fones nos ouvidos,desligado de você. Então você se permite um tempo para descansar um pouco doseu amor. Acha que está dando mais do que recebendo, e com isso tem deixadode fazer coisas, suas coisas. Aproveita o tempo para responder a e-mailsacumulados, enviar fotos que ficou devendo, lavar o carro, copiar a chaveperdida, levar o cão para um banho e tosa, pagar uma visita, levar aquelesapato para o conserto, talvez pedalar no parque. É gostoso esse tempo emque você não ama quem você ama, é quase como um fim de semana prolongado,sem viajar.
Tem horas em que você não se lembra de que está amando quem você ama, comtanta coisa para fazer disputando espaço na sua cabeça: trabalho,vestibular, currículo, entrevista, negócio, mãe, prestação vencida, filho,escola, compromissos, trânsito – e se distrai. Nessas horas você não estáamando quem você ama. Não são falhas, são intervalos.
Chega um dia em que você precisa receber mais atenção de quem você ama, estácarente, hipersensível, e não recebe. Em resposta, você dá uma recuada. Outem dia em que você está muito a fim e não coincide, e aí você recolhe a mãocuriosa. Ou quer carinho e a mão não chega. Você vai para dentro da suaconcha e deixa de amar quem você ama por um tempo variável de minutos adias.
Pode acontecer uma vacilada. Não é que você não esteja mais amando quem vocêama, é só um vacilo. Por exemplo, encontra casualmente uma paquera dostempos de faculdade, ou uma paixão do colégio, aquela coisa que não chegou aser, e alonga a conversa, fica testando se a outra parte desencanou totalcomo você ou se guardou alguma coisa, é mais vaidade do que curiosidade,você fica tentando captar algum sinal, nem sabe se teria coragem, e nadaacontece, e se despedem, e você passa uns dias com aquela imagemvoltando... – e nos momentos dessa inquietação nostálgica você não está selembrando de que ama mesmo é quem você ama.
Chuva, quando se está só, também deixa a gente precisando. Em caso deviagem, chega a doer, e você percebe que é saudade de abraço, da coisafísica que é o abraço, impessoal de tão abraço. Nesse momento animal vocênem está amando quem você ama, aquela coisa é só você, solidão.
É exaustivo manter a corda do amor esticada o tempo todo, e você descansa obraço para relaxar. Não é desamor, é uma pausa para beber água – mas jápensou se aquela bandida ou aquele bandido passa numa hora frágil dessas?São coisas que acontecem ao longo de um amor, e o momento passa sembandidos, que apenas riscam a paisagem e somem como pássaros.
Quando você dorme, você não ama. É o melhor descanso. E quando sonha, então?Pode até permitir carícias de fantasmas, mas não é você que está ali, é tudouma fantasia da qual quem ama retorna sem culpa.
Não é sempre que você ama quem você ama, mas, quando se dá conta, já passou uma vida inteira amando quem você ama.